terça-feira, 1 de dezembro de 2009

"Alzira ô, Alzira ô"


Mariela é médica. Não se considera mátir, apenas médica. Ajuda quando querem e pode fazê-lo. O dia a dia é cansativo porque os problemas são cansativos. Mas, assim como diversos tantos colegas de profissão, foi treinada por seis anos antes de entrar no covil dos leões.
O fato é que Mariela atende cerca de 30- 40 pessoas por dia. Às 16:40h de um quinta-feira surge o caso em questão:
-Boa tarde.
-Boa.
-Como vai dona Alzira?
-Vou bem doutora
-E o que traz a senhora pra mim?
-Sabe o que é doutora... eu fiquei viúva tem pouco tempo...
-Sim
-Pois, foi muito tempo de casada. Meu marido não era fácil sabe...
-Sei... mas eu sou endocrinologista
-Sim, eu sei. Vou chegar lá.
-Certo. Fique à vontade dona Alzira. À vontade dona Alzira.
-Então. Tenho 61 anos, não sou nenhuma menina, sei disso, mas quero ver se posso ser feliz ainda.
-A senhora não é feliz dona Alzira?
-Agora sou. Não fui não. Mas agora sou.
-Então o problema já foi resolvido... a senhora É feliz.
-Não, não. Tem quase nada resolvido não. Eu quero mais!!!
-Pensando melhor dona Alzira, concordo! Não há limites para a felicidade. Conte-me seu plano.
-Olha só doutora, o que a senhora acha do meu peso? Estou me achando um pouco acima. Queria fazer uns retoques no "visú"
-Visú!!!! ... sei sei
-Quero que a senhora me ajude a ficar mais bonita. Quero perder peso. Tecnicamente, quantos quilos a senhora acredita que eu deva perder?
-Dever, não deve nada. Mas se a senhora, por exemplo, fizesse atividade física, fortaleceria o corpo e a alma.
-Quero saber de alma não doutora. Alma é para os jovens e os mortos. Alma deixe pro finado Izaias. Que Deus o tenha e o mantenha bem longe de mim. Quero saber é do "corpitcho".
Mariela cogitou que tipo coisas dona Alzira vinha lendo, ou assistindo, ou contactando para poder usar palavras tão inapropriadas para sua idade cronológica. Mas simpatizou muito com a idéia de que uma mudança já no palavreado revela mais do que a necessidade de uma mudança corpórea.
-Mas o exercício físico poderia fortalecer sua musculatura, ajudá-la a perder peso, conhecer umas pessoas... paquerar um pouquinho... um um
-É... Mas pare de enrolar doutora. Quantos quilos eu deveria perder?
-Dona Alzira, a senhora não recisa perder absolutamente nada. Com um charme desses, essa cor de pele, os cabelos com ótima textura, os olhos de quem quer viver. A senhora precisa é retocar o cabelo com uma cor que lhe caia bem, vestir umas roupas mais adequadas para seu estilo inovado. Vá à praia para repor vitamina D e retardar envelhecimento, à nutricionista para receber uma boa educação alimentar, procure uma atividade física que lhe satisfaça, vá ao cinema, passeie na rua, tenha um animal de estimação...
-Mas aí doutora, não muda o corpitcho.
-É, não muda muito não. Façamos o seguinte: vou pedir uns exames pra senhora, encaminha-la à nutrição, uma nutricionista bem alto-astral né...
-Isso.
-Quando a senhora retornar com os exames, conversaremos novamente. A pressa não anda de mãos dadas com a perfeição. A senhora sabe isso melhor do que eu. O que acha?
-OK.
Em um mês retornou dona Alzira. Cabelos escurecidos, baton "rosa tom da moda", um broze de dar inveja e um quilo a menos no "corpitcho".
-Dona Alziiiiiiiiiiiiiiiiiiira. Por que demorou para retornar?
-Ah doutora, fiz tudo que a senhora me mandou fazer. Estou malhando agora... sabe, "fazendo física"?
-Sim, claro. Sei sim. Sei exatamente o que é "malhar".
-Fui 'no cabelereiro, no esteticista, malho o dia inteiro, pinta de artista' igual àquela música de Seu Jorge. Sabe quem é doutora?
-Sim... sei Alzira.
-Aprendi a comer melhor com a nutricionista que a senhora me indicou. Dei umas dicas pra ela também
-Ótimo! Acho mesmo que ela estava precisando de umas dicas da senhora. Sei bem do que está falando.
-Fiz uns adornos no corpo também.
-Que tipos de "adornos"?
-Nada demais. Tipo maquiagem.
-Então, está tudo bem com seus exames. Venha me ver quando desejar Alzira. Não suma, por favor. Preciso de umas dicas também.
-Pó deixá doutora. Beijo. Boas festas de final de ano.
-Obrigada Alzira
Eis que a criatura supera o criador. Lá se foi Alzira, com uma blusa transparente nas costas onde se podia enxergar a penumbra de uma tatuagem ocupando o dorso por completo. Algo como um dragão com tons avermelhados e olhos vorazes como só a alma de seu Izaias foi incapaz de perceber.
Adorno? Adorno??? E Mariela achando indiscreto o singelo piercing que traz na orelha!
Dá-le dona Alzira!

3 comentários:

Milena Matias disse...

Belíssimo!! Adorei a Alzira...Que cada um possa descobrir a Alzira que tem dentro de si.
Beijos

Tici disse...

kkkkk..muito bom !!!
Vc tem o telefone de D. Alzira ?
Vou querer que ela me passe umas dicas tb !
Bjss

Fran disse...

ê Alzira, Alzira... mostra pra essas moças que a vida só acaba quando termina!!!
Beijosss